"Eu quero um pacto com a simplicidade. Limpar os desejos ocultos. Eu quero ser analfabeta das miudezas, dos disse-que-disse. Meus bolsos, meus bolsos se desfazem das pedras de uma vida inteira carregadas pro vôo das jóias."

Maísa Picasso

1.4.07

Sabe o que é professora...

- Lau, me diz uma coisa, por que você bate em seus colegas?
- Por que todo mundo bate em mim, Tia Maísa.
- Todo mundo quem?
- Minha mãe me bate. Meu pai me bate quando bebe. Minha irmã Sabrina bate, meu irmão Isaac bate. Na escolinha, Daniel me bate.
- Lau, você já viu Tia Maísa batendo em alguém?
- Não, Tia. Você alisa.
- Ninguém bate em Tia Maísa e tia Maísa não bate em ninguém.
- Peraí, Tia.
E saiu correndo pelo quintal pra ver o que a outra Tia estava fazendo. Quando já estava distraída com outras coisas, ele voltou. Me deu um beijo no rosto e me lançou a seguinte questão:
- Quer dizer, Tia, que se eu não bater em ninguém, meu pai e minha mãe vão parar de bater em mim?
E eu bem sabia do que ele estava falando. O pai quando bebia já ficava na intenção do menino. Mas antes que eu pudesse responder, ele saiu correndo novamente. Acho que lá no fundo ele sabia que ninguém tinha a resposta pra essa pergunta.

(Lau,era o apelido preferido de um aluno meu de 5 anos no trabalho voluntário que desenvolvi no Bairro da Paz, por quatro anos. Menino de sorriso largo e que adorava capoeira. Era muito dengoso e adorava disputar minha atenção. Tinha mais 4 irmãos do projeto e 7 irmãos ao todo).

Drogas & Palavrões




Numa sala de aula pra jovens, discutíamos como escrever uma matéria sobre drogas.
- Maísa, é verdade que tem um nome de droga que é um palavrão?
- Um nome de droga...palavrão...hum, não sei. Do que você está falando, Iasmin?
- Um nome de droga, professora. Droga mesmo, como maconha, cigarro.
- Iasmin, eu não estou lembrando o nome de nenhuma assim. Por que você não me fala pra ver se eu lembro?
- Ah, não, professora, eu tenho vergonha.
- Ô, minha flor, fale sem vergonha, ninguém aqui vai ficar falando nada, nem te julgando. É normal ter dúvidas.
- Então tá, professora. A droga que eu estou falando é, é... é TABACO, professora.
- Hum.

Pagando o pato


Quando ensinei jornalismo em Madre de Deus, no Projeto Navegar, através da Oficina de Construção do conhecimento jornalístico, pra jovens de 11 a 16 anos, coisas muito engraçadas aconteceram. Numa dessas, a turma estava no maior rebuliço pra fazer sua primeira entrevista coletiva. Eles escolheram uma figura pública na cidade que faz um trabalho lindo artístico em vários eventos de lá. (Na festa de comemoração da Padroeira, no Carnaval de época, no Natal através do presépio temático, essas coisas). De uma criatividade só. E os meninos escolheram essa figura porque queriam, através do jornal, relembrar a história e memória oral da cidade.
Tudo certo pra entrevista, fomos a casa dele no horário combinado. Os meninos ajeitaram o gravador, tiraram fotos, fizeram perguntas. De repente, reinou aquele silêncio básico que acontece quando nós jornalistas sentimos que rendeu o suficiente, que é hora do ponto final na matéria.
Fez-se esse silêncio. Mas uma menina, das mais novas e inquietas da turma, não achando-se por satisfeita, roubou ruído do tempo e me saiu com uma nova e intrigante pergunta que, ela, no auge dos seus 11 anos, acreditava ser das mais importantes possíveis pra se pôr num jornal.
- Ô, Fulano, seus leitores querem saber, você é virgem?
- Menina.

8 comentários:

Amanda Julieta disse...

Que coisa mais linda, Tiquinha!!Vc sabe aproveitar muito bem essas suas vivênvias, em termos de literatura!O resultado são crônicas maravilhosas,dessas artes de menino...
Beijos!

Anônimo disse...

Deliciosamente divertido, Mai. De sorrir calado, mas fazendo cara de sim sim sim...

Amanda Julieta disse...

Tiquinha, tou te esperando lá hj, viu??Vai buscar teu livro, vai!
Beijos!

Amanda Julieta disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Sabe que gostei um tanto deste post? Gosto das suas poesias, Mai. São sempre tão ternas e intensas. Mas, gostoso ler sua vivência. Muito legal!
Beijo.

Amanda Julieta disse...

Que aconteceu, Tiquinha, que não foi?

Anônimo disse...

vai lá no cecedilha ver o que a gente tá aprontando!
;)

beijio

Unknown disse...

Achei fantástico a atmosfera de liberdade contida nos dois primeiros textos... a responsável inconsequência do segundo texto..., em que ao mesmo tempo que ele n está nem aí pra nada o mesmo não foge á responsabilidade de viver intensamente!