E o menino com brilho do sol, tão longe de si mesmo,despertava toda dor de ser nesse mundo. Mesmo sendo uma manhã de sol, ainda assim. Era só esperar a chuva certeira da tarde. Era só. De mãos postas no queixo na janela à espera. Havia algo no ar, havia. “quando eu crescer, deixar de ser super-homem”.
Tão longe dali, ela espreguiçava de frente à janela e olhava atenta os riscos da chuva no mato verde. A menina dos olhos. Mesmo com toda dor do mundo de não-ser, “quando eu crescer, ser feliz”.D a chuva certa que caía na janela dela à expectativa da hora da tarde, a hora da chuva dele. E assim ficavam, existiam por horas, por vidas. Tão longe. Tão só.
Que há mesmo mágica na vida, isso sim. E das coisas aparentemente banais nascem imorredouras grandes lembranças. O menino mergulha tão só, si-mesmo, na ausência de si. A menina se afoga, completa, inteira, náufraga. Nadam a braços largos. espaçados.
Na ausência dele, ela existia. Feito bailarina da caixinha de música guardada nos escaninhos da memória infantil, que espreita na espera de ser aberta a caixa e seja posta a dançar diante dos olhinhos famintos da criança. Feito o gosto do batom de laranja roubado de ponta do pé do quarto da irmã mais velha, intacto no tempo. Feito desejo de meia-calça de risco como as mulheres misteriosas das capas de revistas escondidas no sótão da alma.
Na ausência dela, ele existia. Entre desacertos, fortunas, desencontros, partidas. E o menino seguia na mais completa indecisão de ser, inexistente para dar de si aos outros.Ela na espera, ele na ausência. De manhã, na janela de frente pro mercado, enquanto aguardava a hora da tarde, a hora da chuva, postava-se a ensaios de sorrir, de uma maneira tão fingida que até ele mesmo esquecia que era dor e não alegria o que cabia na sua alma.
Dias existiam de ser diferentes e trazer a mágica da vida. Dias em que, na janela, ele via vagar desatento pequeno ser brilhante, amarelado, de detalhes cinza nas bordas. De asas miúdas, como as que tinha cultivado o menino, na ausência de se descobrir. Vagava levemente sob sua vista embaçada do cansaço do tempo. E discretamente sorria. De um sorriso azul-royal que derretia tons de cinza interno. E como tinta que derrete, iam máscaras, sorrisos. Ficava a certeza da crença na conjuntura das cores, da vida. Eram dias assim no céu de hoje, dias de borboletas amarelas.
Mesmo distante, ela se via. E a dor era de se enxergar. Que quanto mais luz mais sombra, quanto mais olhares, mal ela cabia. Caminhava até mesmo o sol, ao lado de cinzas e raízes mortas, secas. Dos dois lados do caminho. De todas as ruínas do seu tempo, do que passou. Mas não temia, seguia. Mirava o sol adiante e preocupava-se menos. Sentada na pedra da saudade um há pouco descrente, que era tudo pó no espetáculo das horas, e agora? De lá de onde não se vê de tão fundo, plantada na bem distante de toda terra de angústia, um broto de rosa. Exercia tanto fascínio apesar de suas poucas horas, tenra idade. De róseo quase maduro, cheirava vida nas mãos. Inerte, absorta, radiante. Que a rosa era ela, já sabia. A mesma certeza na crença da conjuntura das coisas, feito o menino. A mesma espera no olhar de novos dias.
Dizem de borboletas e rosas nascerem de mãos únicas, que uma parte do cabelo se ajeita entrelaçada na outra parte à espera, fios aninhados como tranças de menina. Dizem da vida deles dois algo parecido. Peripécias e reviravoltas poéticas da vida, um mesmo jardim, borboletas e rosas. Ele preenchendo-se de si, ela esvaziando-se de nãos.
2 comentários:
Foram cinco anos maravilhosos que você me deu, meu amor. Cada vez mais juntos, cada vez mais inteiros. Um crescer compartilhado que não tem hora para acabar. Por mais cinco, cinquenta, quinhentos anos.
Te amo muito.
E mesmo agora, cinco anos depois, o texto continua lindo, lindo.
Acho que tem uns 4 anos que eu li esse texto.
Nas primeiras frases, tive a sensação de tê-lo lido alguma vez e de ter gostado muito.
Parace-me muito mais bonito hoje, muito mais. Foi com esse texto que eu me inspirei pra escrever um texto de um vaso e de uma flor, que talvez você nunca tenha lido.
Mai, lindo!
Um beijo e mais quinhentos anos pra vocês. =)
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