Um par de coisas às vezes se esconde de minha compreensão. Tal como uma frestinha de luz que corre pela casa seguindo o tempo, ela reviravolta.
Chuvas são engraçadas de ver cair. E o cheiro que deixa nas coisas, são de uma pausa, quando as casas saem de casa para ganhar o tempo.
Essas músicas que escuto dão uma nostalgia ao contrário, que me lembram o que ainda falta existir. E eu vejo como coisas que não existem podem ser tão vivas como Baleia, do Graciliano Ramos, Macabéia de Clarice, Caeiro de Pessoa. São todos eles Ramos, Clarice e Pessoa Baleias, Macabéias e Caeiros? A resposta me foge. Também não sei precisar como aprendi as coisas. Mas nunca lembrei de tantas coisas que me ocupo em aprender desnecessariamente. Quantos sentidos devemos atribuir às coisas, às pessoas, à vida para tudo fazer sentido? E eu que pensei que o que mais fazia sentido era desatribuir, agora que me ensinaram a vestir, sinto saudade de não carregar tantas pedras. Já imaginou como seria a vida se nossos bolsos estivessem cheios de pedras preciosas e flores? Seríamos como crianças? As crianças são bons começos de alma. Ou destinos de alma.
Lembro das tardes que passava na casa de minha avó na infância. A mágica que esquecia dos deveres decorebas da escola. Da escola, lembro das minhas coleções de papel de carta que enchiam os olhos das meninas de amizade. Pirulitos vermelhos na porta da escola, na mão de Abebeu, demoraram pouco. As drogas chegaram aos pirulitos.
As aves voam mais alto em dias de sol, mas em alguns dias de chuva são dias exatos para sair e voar. Quando ninguém está olhando e de repente o mundo é só seu. E a chuva destranca a porta e faz sorrir um sol de dentro, no centro de tudo. E os homens de verdade podem tirar o chapéu e os bigodes falsos. Os guarda-chuvas ficam em casa, o vento assopra uma página inteira do livro e num tempo capaz de guardar um segundo, embaixo da grama e da terra, no mundo de cabeça para baixo, é dia de festa no céu - ou na terra, que é de ponta a cabeça. E nesse suspiro de tempo passa uma manada, uma banda inteira, um funeral. E dá-se adeus para sair.
Um comentário:
As crianças são bons começos de alma. Ou destinos de alma. Mas entre o destino e o começo há você, meu amor, mulher e criança no espaço de caber um segundo inteiro, doce e terna, serena e lúcida para escrever um texto doído e beatífico para lavar a alma com lágrimas. Simplesmente lindo.
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